Colo (e traduço) este texto publicado em 20 de março na bitácora de Laure Akai, da seçom polaca da AIT.
Nele Laure Akai fai uma descripçom do que está a acontecer na Polónia com respeito às refugiadas ucrainas e dá conta da muito diferente resposta quando as refugiadas não se asemelham a elas na cor da sua pel e dos olhos e além compara a hipocresia do trato dado polas autoridades para com estas “neo-refugiadas” e o despreço que lhe dam às anteriores e mesmo às gentes pobres nativas. e uma crítica áceda que tamém pode ser aplicável nestes lares tanto com respeito ao recebemento para com estas “neo-refugiadas” em comparança com os paus e malheiras e devoluçons em quente que sofrem aquelas que, fugindo doutras guerras, procuram saltar os valos fronteiriços de Ceuta e Melilla, ou com os muitos impedimentos que se atopam as classes populares para acadar uma vivenda social ou um aluguer a baixo preço. Em fim que Laure fala da Polónia, mas qualquer pode ver que é talmete extrapolável a estes lares ou a qualquer outro do mundo capitalista que sofremos:
Nas últimas semanas, mais de 2 milhões de pessoas refugiadas vinheram desde a Ucrânia cara a Polônia. O que temos presenciado foi uma onda de solidariedade, ajuda mútua e auto-organização diferente de tudo o que se viu no país em muitos anos. Milhares de pessoas, a maioria das quais nunca figeram nada assim antes, abriram suas casas para estranhas que precisam de abrigo. Muitas outras doaram uma grande variedade de bens e foram às estações de trem para receber pessoas com alimentos e outras necessidades.
Grande parte da ajuda que aconteceu veu de iniciativas auto-organizadas. É claro que as ONGs que normalmente ajudam as migrantes estiveram ativas. Em Varsóvia, as autoridades da cidade, que fam muito barulho sobre o quanto ajudaram, de feito agiram relativamente tarde. Toda tipo de gente estava ativamente engajada e forneceram a maior parte da ajuda no início e, até onde podemos ver, continuam a fazê-lo.
Esse tipo de comportamento em relação às outras é comovente e semelha ser a maneira como o mundo deve reagir a estas situações. No entanto, algumas, eu mesmo, sentimo-nos bastante tristes com os horrendos padrões duplos que se estám a viver.
O outro lado da onda de corações abertos
Essa extraordinária demonstração de bondade e decência contrasta fortemente com o comportamento cotidiano de muitas pessoas e especialmente daquelas que estám no poder em relação a outras pessoas que estám em circunstâncias terríveis. Refiro-me a outros grupos de refugiadas, mas tamém a polacas pobres e a muitas das imigrantes ucranianas que já trabalhavam na Polónia. O trato às refugiadas anteriores foi racista e, no caso de polacas pobres e imigrantes ucranianas, categrizou-se polo desprezo mesmo entre as classes operárias.
Vale a pena comparar o tratamento, que já começa a gerar ressentimentos entre as afetadas.
Uma Questom de Racismo
Ao longo de muitos anos, políticos e jornalistas da direita com visons de mundo bastante racistas venhem tentando criar uma narrativa sobre as refugiadas que às vezes bordeia a histeria. Artigos jornalísticos som espalhados sobre os horrores que no resto da Europa enfrentam as refugiadas e isso colocou muitas pessoas contra elas. A Polônia negou-se a receber refugiadas doutros países da UE e, quando os acolheram, figeram um péssimo trabalho de ajuda.
Nas últimas semanas, muitas comentaram sobre a resposta da Europa à atual crise de refugiadas em comparação com refugiadas de outros países devastados polas guerras. Na Polónia, este contraste é especialmente alarmante, dado que alguns meses antes, houve uma crise na fronteira Polónia-Bielorrússia, onde as refugiadas foram literalmente brutalizadas, deixadas a morrer de fame e congelar no frio, até mesmo ensopadas com canhões de água no congelado tempo sem possibilidade de refúgio.
Durante este tempo, houvo pessoas que ficaram escandalizadas e tentaram ajudar. Isso apesar do fecho da área por parte do governo, inclusive para os meios, as ONGs e, se alguém entrara nessa área, corria o risco de sofrer brutalidade policial e prisão. Por outro lado, tamém havia grupos de extrema-direita que enviaram grupos paramilitares para intimidar e brutalizar aquelas que tentavam atravessar.
Estamos falando de dezenas de milhares de pessoas no outono e inverno de 2021, a maioria de lugares como Síria e Iêmen. Houve pessoas que se manifestaram, houve alguns protestos modestos e pessoas que foram ajudar. Parecia que a maioria das pessoas, cujos corações agora estám tam abertos, permanecera em silêncio ou apoiara de todo coraçom as açons brutais do estado.
Essas açons ainda estám em andamento. Recém, o New York Times publicou um artigo sobre duas pessoas tentando cruzar a fronteira num mesmo dia: um homem de Sudão e uma mulher da Ucrânia. Infelizmente, com a segunda mostra-se uma tremenda hospitalidade e bondade; mas o primeiro foi sujeito de insultos racistas e comportamento cruel por parte dos guardas de fronteira, além de ser perseguido com drones e helicópteros. (1)
O povo polaco não gosta de ser chamado de racista e, de feito, há muitas pessoas que não odeiam dessa forma, apesar de terem crescido num ambiente onde o racismo é tolerado. Certamente as pessoas preferem a imagem que está sendo difundida agora, dum povo caloroso e aberto, disposto a fazer de tudo para ajudar as necessitadas. Só que fica claro que esse tipo de tratamento costuma ser reservado apenas para aquelas com quem elas se identificam claramente – ou seja, pessoas que são brancas.
Mesmo as pessoas que fugiram da Ucrânia que não som brancas não encontraram o mesmo tipo de hospitalidade que suas colegas brancas e houve alguns relatos de racismo.
A Questom de Classe: Alguns exemplos da Hipocrisia
Se o primeiro tipo de duplo padrom é bastante óbvio, há outro tipo que poderíamos debatir. Podemos comparar tanto o tratamento das polacas pobres em certas situaçons de necessidade quanto o tratamento de muitas imigrantes ucranianas que viviam na Polônia desde antes da guerra com o tratamento dado polos governos central e local ás imigrantes de guerra de agora.
Vou escrever principalmente sobre vivenda e trabalho, pois som duas áreas em que estou ativo e conheço muito bem a situaçom.
Vivenda
Duas açons da Câmara Municipal de Varsóvia que consideramos muito preocupantes dim respeito à situaçom habitacional e só podem ser compreendidas com algum pano de fundo. Nos últimos 20 anos, houve um grande movimento no sentido de fazer cortes dramáticos na disponibilidade de vivendas públicas – algo uma vez recomendado ao governo polo FMI e perseguido com rigor polos formuladores de políticas fortemente neoliberais da cidade. Além da grande queda de unidades disponíveis resultante da privatizaçom e de décadas de negligência, deixando alguns prédios inabitáveis, há tamém o feito de muitas unidades habitacionais públicas estarem simplesmente devolutas. Existem várias razones para isso, mas as duas principais razons som que a cidade esperava que essas unidades pudessem ser privatizadas e que não investiu dinheiro suficiente para repará-las e torná-las habitáveis.
Uma vez que existem literalmente milhares de pessoas à espera dum apartamento ou qualificaçom negada devido a alguns tecnicismos absurdos, não é de admirar que esta situaçom tenha irritado muitas moradoras. No meu bairro, quase todas as inquilinas municipais podem nos falar sobre apartamentos fechos nas suas ruas. Apesar da extrema necessidade de vivenda, muitas vezes elas permanecem pechas por muitos anos. Numa açom de inquilinas ontem, uma mulher di-me que o apartamento em que ela morava permaneceu vazio desde que ela se mudou para outro. Isso foi há 17 anos.
Dada essa situaçom, às vezes as pessoas simplesmente ocupam esses lugares. Nos últimos dois anos, vimos quantidade de pessoas entrando nesses apartamentos aumentar drasticamente e oferecemos a eles, como organização de inquilinos, vários tipos de suporte. Um dos tipos de apoio mais comuns é impedir o seu despejo, pois as autoridades locais tentam ameaçá-los e bloqueá-los e, se isso falhar, despejá-los por meio duma ordem judicial.
Vale a pena notar que as pessoas estám fartas desta situaçom. Durante anos, não apenas nossa organizaçom, mas outras organizaçons que lidam com a habitabilidade e as sem-teto venhem tentando fazer algo. Muitas, muitas inquilinas se ofereceram para consertar esses apartamentos por conta própria. Tudo em vam. A única coisa que funcionou foi agachamento. Deve-se notar que a grande maioria das pessoas que ocuparam vivendas municipais tentaram legalizar sua permanência e até pagar aluguel. A ocupaçom de apartamentos vácios era uma prática comum nas décadas de 70 e 80 e enquanto aquelas que o faziam naquela época recebiam anistia e muitas vezes legalizavam sua residência, há alguns anos o governo adotou leis mais punitivas em relaçom à ocupaçom de vivendas municipais.
No nosso bairro, onde temos contato com muitas – senão a maioria – dessas pessoas, vemos que som em sua maioria mães solteiras, algumas vítimas de violência doméstica e principalmente pessoas em situaçom muito precária no mercado de trabalho.
Como algumas leitoras sem dúvida já adivinharam, a razom para escrever sobre este tópico é o feito de que, apesar de anos alegando que não há “dinheiro” para consertar esses apartamentos ou tentar convencer as pessoas de que estavam fazendo tudo o que podiam, magicamente agora há dinheiro para isso. Esses apartamentos devem ser reparados para abrigar refugiadas. Algumas pessoas que estám esperando desde há tempo por apartamentos já foram informadas de que esses apartamentos não chegarám tam cedo, porque a cidade tem que lidar com as refugiadas.
Embora muitas das pessoas afetadas realmente tenham feito algo para ajudar às refugiadas, agora podemos ouvir ressentimento. As refugiadas poderám viver sem pagar aluguer, apesar de poder trabalhar legalmente e algumas já tenhem atopado emprego. As residentes locais, por outro lado, às vezes enfrentam a realidade de que trabalhar em tempo integral pode desqualificá-los da vivenda pública e jogá-los num mercado privado com aluguéis muito altos que poucas trabalhadoras pobres podem pagar.
Além disso, a cidade encorajou essas pessoas – algumas das quais vivem em vivendas muito apertadas (com um padrom de 5 metros por pessoa) a acolher refugiadas. Especialmente por isso, a cidade não cobrará extra para pessoas adicionais que moram nos apartamentos. Embora isso seja bom (se alguém puder fazê-lo), esse tratamento deve ser comparado ao que acontece se uma inquilina municipal deixa uma amiga ficar em sua casa ou alojá-la temporariamente – por exemplo, após um despejo ou tentativa de fuga tras sofrer violência doméstica. Tal situaçom é considerada descumprimento do contrato de locaçom e essas inquilinas vem seus contratos rescindidos e enfrentam despejo.
Claro que isso é escandaloso. Por mostrar um pouco de solidariedade as amigas necessitadas, as pessoas correm o risco de ficar sem-teto. Amigas não devem ser ajudadas. Refugiadas da Ucrânia – uma história diferente.
Qual é a razom para tal duplo padrom? Na minha opiniom, trata-se duma mentalidade individualista e neoliberal que é alimentada por um ódio de classe profundamente enraizado. Podemos ver o desdém que os que estám no poder tenhem com quem precisa de ajuda de vivenda. Com exceçom de algumas senhoras idosas ou pessoas com deficiência, elas são amplamente consideradas como pessoas que dalguma forma estám em falta. Os burocratas e formuladores de políticas, com seus salários confortáveis, simplesmente não querem admitir que a vivenda não é acessível para as pessoas que trabalham duro. Seu preconceito de classe di-lhes que, se alguém não ganha o suficiente, não deve estar tentando.
Neste momento, os apartamentos mais baratos disponíveis fora da vivenda pública custam cerca de 2/3 do salário mínimo – antes dos impostos. Aquelas que ganham um salário mínimo ou menos, ou trabalham precariamente, ainda são centenas de milhares, mesmo na cidade mais rica da Polônia.
Ouvimos muitas reclamaçons sobre esse tratamento diferente e esperamos que isso não se transforme em ressentimento contra as refugiadas. Infelizmente, essa tem sido a história de muitos conflitos de classe – que em vez de atingir aqueles que som responsáveis pola miséria mais diretamente-, pessoas como as imigrantes tornam-se objeto de ódio.
Se isso acontecer, não seria a primeira vez que os neoliberais adotaram políticas que ajudaram aquelas com uma retórica mais nacionalista a atiçar as chamas do descontentamento em seu benefício.
A situaçom habitacional e laboral das ucranianas da pré-guerra
Podo referir-me as imigrantes ucranianas que estiveram aqui antes coma pré-guerra. Simplificando, sua situaçom habitacional é muitas vezes trágica.
Como imigrantes, elas som frequentemente submetidas a contratos e condiçons ilegais de vivenda. Nossa organizaçom teve que fazer algumas intervençons; mesmo nas últimas duas semanas antes da guerra, ajudamos duas mulheres ucranianas. Uma foi despejada ilegalmente e outra está num pesadelo burocrático. As pessoas que ficam desabrigadas por causa do despejo ilegal não podem contar com nenhuma ajuda além de talvez um abrigo terrível. O município não quer lidar com vivenda pública para imigrantes, com apenas algumas exceçons.
Algumas ucranianas, que vivem aqui há décadas, conseguem entrar em vivendas públicas. Outras som tratadas como inelegíveis polos burocratas, embora não haja nada na lei que impeda isso. Há tamém um grande número de ucranianas que estám aqui e às vezes estiveram aqui a maior parte das suas vidas, mas tenhem problemas para legalizar sua residência.
Não é incomum encontrar grandes grupos de ucranianas vivendo em vivendas por abaixo do padrom. Conhecemos jovens vivendo 8 pessoas em duas pequenas salas. Intervimos como sindicato sobre as condiçons de vida das trabalhadoras – embaladas em contêineres sem aquecimento ou no chão de celeiros no campo.
É claro que tamém há muitas ucranianas que se saem melhor e há muitas profissionais que vieram aqui para trabalhar. Muito depende do status de suas autorizaçons de trabalho e suas profissons.
Infelizmente, ucranianas som a principal oferta de mão de obra barata na Polônia. Antes da guerra, havia cerca de 2 milhons de ucranianas com permisso de trabalho de longo ou curto prazo vivendo na Polônia. Além disso, há um número considerável de pessoas sem autorizaçom que estám trabalhando na economia negra. Estudantes, embora poidam trabalhar legalmente, som frequentemente exploradas e recebem condiçons de trabalho ilegais.
Nalgumas áreas, empregadores não querem pagar impostos ou legalizar o emprego. Isso é particularmente verdade para alguns empregos, como empregadas domésticas, cabeleireiras e esteticistas, trabalhadoras agrícolas e trabalhadoras da indústria hoteleira.
Essas operárias muitas vezes não tenhem nenhum benefício e tamém geralmente não tenhem direito à saúde. Elas muitas vezes não tenhem contratos, podem ganhar menos do salário mínimo, estám sujeitas a condiçons de trabalho ilegais e muitas vezes som enganadas ou demitidas sem aviso prévio.
Muitas daquelas sem legalizar encontram-se em tal situaçom por negligência do empregador em preencher a papelada ou por outros problemas burocráticos. Às vezes, apesar dos esforços para trabalhar legalmente, suas licenças são negadas.
Ucranianas que trabalham legalmente som, obviamente, contribuintes como qualquer outra trabalhadora que tem dinheiro deduzido de seu salário.
Apesar dos enormes problemas com roubo de salários e violaçom de seus direitos que as ucranianas enfrentam na Polônia, não houve nenhuma medida real tomada polo governo para proteger seus direitos. (Embora eles não protejam melhor as trabalhadoras polacas.)
Imagine a surpresa para as ucranianas que lutam para obter um permisso de trabalho ao saber que todas as refugiadas de guerra podem ter o direito de trabalhar legalmente na Polônia e assistência médica gratuita apenas por terem entrado depois do início da guerra, não antes.