Estou a ler estes días «Era Medianoite em Bhopal» de Dominique Lapierre e Javier Moro, um inquedante livro que trata do assassinato em massa dumas treinta mil de pessoas desta cidade índia graças aos efeitos duma fuga de gás tóxico produzida na noite do 2 ao 3 de dezembro de 1984. A responsável, ou mais bem a irresponsável, foi a multinacional de pesticidas ianquie “Union Carbide” e seu letal “Sevin” ao construir a sua fábrica em pleno coraçom de Bhopal polo que, além dessas 30.000 mortes de inocentes, tamém provocara feridas de diversa consideraçom a mais de cincocentas mil pessoas, 500.000!!, meio MILHOM!! na que é considerada, de momento, a catástrofe industrial mais mortífera da história mundial.
Mas nom vou entrar hoje em matéria ao respeito destas barbaridades, resultado do imperialismo capitalista, e que me levaram a escrever no párrafo anteiror esse “de momento”, dado que bem pode suceder uma outra catastrofe que a supere dado o nulo interés das empresas capitalistas em coidar o meio ambiente e a cumplicidade necessária de governos, governinhos e juízes em seguir dando seu visto bo à instalaçom ou permanência de empresas muito contaminantes com só mudar os níveis de seguridade de fumes, resíduos e verteduras a conveniência ou pintar murais de cores nos exteriores desses monstros contaminantes (disso na Galiza sabemos abondo, basta o exemplo de ENCE).
Agora que o status e o papel das mulheres muçulmanas na sociedade moderna segue chamando a atençom do mundo capitalista e dos seus mercenários dos meios, acho muito interesante escrever sobre alguns aspetos que atingem ao governo do lugar onde aconteceu este crime contra a humanidade: Bhopal. Um assunto um tanto peculiar que eu desconhecia (coma tantíssimos outros) e que me surpreendeu, e que, tal qual digem, conhecim graças à leitura deste livro, e que trata da história única duma sucessom de mulheres governantes poderosas num mundo dominado por homens: As Begums de Bhopal.
Situemo-nos no mapamundi e na época
O estado de Bhopal fica na regiom de Malwa, na Índia central, nesse mundo que nos evoca ao “Livro da Selva” de Kipling e a esse imenso país que, na atualidade disputa com a China ser o mais povoado, superando âmbos os 1.400 milhons de almas. Um lugar do que, a maioria das gentes eurocentristas, só quere saber que muitas dessas pessoas passam fome e pese a isso vivem arrodeadas de vacas que nom podem comer porque som sagradas, que se lavam num río cheio de detritus e, as que vam de mais listas, mesmo conhecem que hai uma casta muito pobre à que lhes chamam “Os Intocáveis”, termo que a mim me evoca mais a um grupo de super-heróis ou de bandoleiros do far west.
Lá pola segunda década do século XVIII um general afgano chegara até ali e a fundara e declarara coma capital de seu império. Desde entom é um lugar destacado do património cultural índio e se é conhecida coma a «Bagdag da Índia», nom só é pola qualidade e quantidade de seus paços, suas mezquitas ou seus sobérbios jardins, senom tamém pola sua rica cultura muçulmana, pola sua tradiçom de tolerância e polo progressismo das suas instituiçons.
Bhopal torna-se apôs coma um importante estado principesco na Índia colonial britânica e desde os mesmos inícios da sua turbulenta história, o papel das suas mulheres coma governantes foi vital:
Mamola Bai (1744-95), era uma rajput hindu que casou com o muçulmano Yar Mohammad Khan, embora nom é reconhecida coma uma Begum, governou durante 50 anos coma regenta ‘por trás da cortina’ em nome dos ineficazes filhos que tivera com Yar.
O governo das Begums começa coa formidável Qudsia (1819-37), que assumira o controle coma regenta em nome da sua filha de 15 meses, Sikandar. Ela governou com eficácia enquanto preparava Sikandar para o poder e fora quem lançou as bases para a era de ouro de Bhopal. Entre suas muitas contribuições vitais como líder do estado, dispugera de alojamentos debalde na Meca e Medina para as peregrinas de Bhopal; construira um oleoduto para fornecer água potável gratuita ao povo ou mesmo forneceu fundos da sua conta pessoal para construir uma estaçom ferroviária e trazer o ferrocarril.
Sikandar (1844-68), a filha de Qudsia, assumira apôs o controle e se tornara na segunda begum a governar. Cotam que Sikandar era temível, com uma força física amazônica, mas tamém foi uma típica modernista e reformadora do século XIX. Ela presidira a reforma administrativa, social e educacional e figera de Bhopal um paraíso para os estudos e a cultura e mesmo dotara a cidade dum centro de construçom, artes e ofícios, dum hospital e dalguns dispensários e começara a funcionar um serviço postal único na Àsia de entom.
Sikandar além governou em harmonia entre muçulmanas e hindus. Tornou o urdu coma língua oficial da corte em troque do persa; e mesmo nomeara um Contador Geral que verificaria o desperdício e a corrupçom.
A terceira begum foi Shahjehan (1868-1901), filha de Sikandar, quem trouxe mais reformas ao sistema. Os serviços postais foram modernizados. E deixou uma marca considerável na arquitetura, música, poesia e artes.
A filha de Shahjehan, Sultan Jahan (1901-26), e a última Begum de Bhopal, que tivo que se enfrentar a muitos desafios quando sentou no trono. Jahan nos seus primeiros dez anos de governo, construiu esperança, fé e futuro para seu povo. Apesar de ser muito religiosa e conservadora, Sultan Jahan trouxe reformas educacionais, liberalismo e modernizaçom para Bhopal. Melhorou os sistemas de irrigaçom, da agricultura, e das obras públicas. Melhorou o saneamento, a higiene e o fornecimento de água gratuita.
Sultan Jehan chegou a criar uma instituiçom revolucionária para a época: o “Bhopal Ladies Club” onde as mulheres bhopalis iam a debater livremente sobre sua condiçom e seu porvir. Além abriu institutos técnicos para ensinar artesanato.
Sultan Jahan combinara a piedade muçulmana com uma reforma ardente e tornou-se numa figura internacional como primeira presidenta da All India Conference on Education e primeira reitora da Universidade Muçulmana de Aligarh, sendo uma trabalhadora incansável pola emancipaçom e a educaçom das mulheres, ao ofertar educaçom primária gratuita e multiplicar as escolas de nenas.
E se chegastedes até acá na leitura, alguma se estará perguntando porque um anarquista dá tanta bola a umas regentes ?? Pois porque acho que há um eurocentrismo patente e constante na vissom doutros mundos, e que mesmo muitas ativistas insertas do mundo capitalista seguem a olhar com superioridade no exenta dum certo supremacismo estas outras crenças ou maneiras de viver a vida.
Ou tamém poida que seja porque som um cizanheiro ao respeito de certos temas e me mola criar polémica. Porque ainda há algo muito importante que nom digem (ou que só escrevim veladamente) ao respeito destas Begums governantes de Bhopal durante mais de um século: Todas elas sempre se monstravam em público ‘por trás da cortina’, é dizer com “BURKA” e praticavam o Purdah, essa prática de impedir as mulheres de serem vistas polos homens que nom sejam seus parentes diretos e que ocorre de duas formas: a primeira é uma separaçom física entre os sexos, e a segunda é exigência de que as mulheres cubram seus corpos e ocultem a sua forma por meio da burka.
Uma definiçom mais “poética” define o purdah coma “uma cortina que torna nítida a separaçom entre o mundo do homem e o da mulher, entre a comunidade como um todo e da família que é o seu coraçom, entre a rua e a casa, o público e o privado, assim como agudamente separa o que é da sociedade e o que é do indivíduo”.
Pois bem essas quatro mulheres begums e mesmo sua precedente a rajput hindu Mamola Bai, pese a ser governantas, levarom sempre burka, agás a última delas Sultan Jahan, que abandonara a prática purdah só dois anos antes da sua morte em 1924, no mesmo ano em que nas españas um tal Primo de Rivera, governava em ditadura e aprovava em tal data coma o 8 de março um Real Decreto que permitia às autoridades eleitorales municipais incluir no censo às mulheres solteiras sempre que fossem cabeça de família, maiores de 23 anos, que nom fossem prostitutas e que seu estado civil nom tivera mudado. Em resposta a isto o jornalista Manuel Cordero, de El Socialista, escrevera “o voto feminino supom um ato revolucionário e parece algo raro que seja um espírito reacionário quem tenha projetado essa reforma na España”. Se bem para quando se convocaram as seguintes eleiçons gerais, o direito ao voto das mulheres já nom estava em vigor e se tivera que aguardar até 1927 para acadar seu pelno direito ao voto.
E se conto tal é porque penso que cada povo tem direito a mudar segundo lhe venha a conta e que a gente alheia em troques de interferir para criticar tanto o que outras fam ou nom fam deveriam de deixar de mirar tanto para seus embigos e olhar mais para essas vigas que tenhem nos seus olhos.
Ah! Um bo remédio para isso é ler e investigar; se bem a tarefas às vezes nom é singela. Para preparar este escrito busquei informaçom sobre estas mulheres na rede e por mais que busquei nom atopei nadinha nem em portuguès nem em castelám nem muito menos no galego junteiro, agás um texto que fala da boa e muito estreita relaçom das begums com os Borbóns; sim dos Borbóns, a raiz de que um destes, Jean Philippe du Bourbon chegara lá por mediados do século XVI à corte de Delhi e lá narrara suas peripécias tras ser prisioneiro de piratas turcos durante uma viagem e ser vendido coma escravo em Egipto. Mas isso já é outra história de tempos pretéritos aos que agora narro.
Disponho acá para quem tenha interés em profundar sobre o tema as ligaçons das que me valim para escreber este texto; além do livro «Era Medianoite em Bhopal» de Dominique Lapierre e Javier Moro.
Book Review: The Begums of Bhopal (2000)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Purdah
The Begums of Bhopal
Los Borbones cristianos indios y las Begums musulmanas de Bhopal
Remato com umas palavras de Javier Moro no passamento do seu companheiro Dominique Lapierre, falecido recém em 2 de dezembro de 2022, que tenhem ilaçom com o livro e que traduzo:
Dominique decidira entregar a maior parte dos direitos de autor do livro que tínhamos escrito sobre a tragédia de Bhopal à construçom duma clínica para curar às vítimas mais graves do envenenamiento por escape de gás. No dia da inauguraçom, fai 22 anos, puidem comprovar com meus próprios olhos como um livro podia melhorar a vida da gente, e isso duma maneira concreta, quotidiana, palpável. Vim coma um trabalho inteletual, que nos tinha custado vários anos culminar, se transformava em… uma clínica. Nesse dia descobrim que só com uma caneta e um caderno pode-se mudar o mundo, ou quanto menos incidir na sua melhora.
Quando cumpriu 50 anos quis dar um sentido a sua vida adicando-se em corpo e alma a uma formidável missom humanitária que mudou a vida de milhons de pessoas (sim, milhons, nom exagero) e tristemente sento que nom tivo o reconhecimento que merece. Vi-lhe advogar polas mais pobres diante os mais poderosos da Índia. Fum testemunha de como milhares de labregos lhe recebiam em currunchos perdidos do delta do Ganges para lhe agradecer sua ajuda, e da inveja que provocava nos políticos locais, incapazes de galvanizar tais multitudes. Isso fazia-lhe tam feliz! Sim, mudava o mundo com os instrumentos que dominava, com a palavra e com a pluma (porque aos computadores chegou tarde).