Ser Anarquista x Ruymán Rodríguez

Ruymán Rodríguez, anarquista da FAGC (Federación Anarquista de Gran Canaria) quem fora torturado pola Guardia Civil tras ser detido sem justificaçom algumha em abril de 2015 como parte da campanha policial para desestabilizar o projeto da Comunidade “La Esperanza”, vem de fazer público no portal AlasBarricadas deste seu artigo que, umha lido e traduzido, subscrevo em case sua totalidade e compartilho (*):

Ser anarquista

Desde que era moi novo e empecei a contatar com outras anarquistas alheias ao meu círculo sempre me sorprendeu a forma de abordar o que poderiamos chamar a “identidade anarquista”. Sim, certamente enténde-se como umha identidade, cultural, filosófica, política, social. Sempre me diziam, cum aire de solemnidade e mirando ao horizonte cos olhos brilhantes: “eu anarquista? Algum día gostaria de se-lo. Estou nisso”. Ou tamém: “anarquista? Essa palavra é demasiado grande para mim. É um processo, ténto-lo”. Faltava música de violim de fundo e um manto de neve que case nunca cae em Canárias. Eu, a pesar de ser moi inexperto e ter a cabeça repleta de leituras, nom sabia moi bem se crêr-mo.

Co passo do tempo nom vim que se rebaixara este discurso. Converter-se em anarquista é entendido por algumhas como umha prova iniciática: de capulho a ser superior. É um processo de anos que require leituras, formaçom, aprender códigos e mil requisitos formais. É case como umha oposiçom. Opositar para anarquista, que grande tarefa.

Todas oiriamos aquilo de que se é anarquista 24 horas ao día e cousas similares. Dizia Victor Serge nas suas memórias: “O anarquismo possuia-nos enteiros porque nos pedia tudo, oferecia-nos tudo. Nom havia um recuncho da vida que nom ilumina-se, quanto menos assim no-lo parescia. Podia um ser católico, protestante, liberal, radical, socialista, sindicalista mesmo, sem mudar nada na sua vida, na vida por conseguinte”.

Eu tamém digem cousas similares, e ainda parecem-me certas. Pero nom vejo o de ser anarquista a jornada completa como umha condena, um ato de constriçom que deve respeitar-se durmindo e no quarto de asseio. Em parte é umha atitude, umha forma de relacionar-te coas demais e entender a vida, e tamém umha proposta empírica que busca conexom entre ideias e feitos, e isto dificilmente implica parcialidade. Nom podemos ser diabéticas doze horas ao día, ainda que reconheço que é moi vantajoso compara-lo cumha doença do páncreas. Dizia Paul Válery que “toda pessoa leva em si umha ditadora e umha anarquista”. Digamos que chamamos anarquista á pessoa cuja segunda fazeta manifésta-se mais e que com maior força combate a primeira.

Dito isto, e admitindo que a anarquista busca a coerência, com respeito a que a busca? Ás vezes parece-me que se busca a coerência entre as ideias que se tem e as que se querem ter. As ideias podem ser fáciles de adquirir, pero sobre tudo som fáciles de aparentar. A nossa procura da coerência nom é, geralmente, entre ideias e atos, que seria o lógico, senom puramente formal. Por isso é polo que lhe demos tanta importância ao que dizimos e tamém ao que dizimos pensar, e tam pouca ao que fazemos.

De todo isto venhem o que eu chamo “a procura dos grãos de perfeiçom moral”. Preocúpa-nos essa parte de ser anarquista interna e, por paradóxo, extremadamente exibicionista. Queremos ter umha linguagem em aparência anarquista, uns hábitos persoais supostamente anarquistas, pero nom há um mínimo esforço por fazer nada prático anarquista. O anarquismo convérte-se assim numha religiom ou filosofia transcendentalista, onde se vam acadando distintos rangos de iluminaçom ou sabedoria até chegar ao Nirvana ou algum estado de consciência superior. Coma se fósemos monjes budistas ou místicos cristiáns. Na FAGC já é comum chancear sobre os “grãos de perfeiçom anarquistas” que alcançamos: o grão 9 é o que acada a anarquista quando é quem de nom fazer sombra, e o grão 10, o máximo conhecido, quando pode fazer a fotosíntese.

O anarquismo assim entendido, como umha meta inalcançável que implica martirizaçom, como um clube exclusivo e elitista que exige para entrar um exame de acesso, nom me interesa. Sim, devemos ser coerentes, pero a coerência exige correlaçom entre quanto dizimos e fazemos, e isso quiçás implique empeçar a dizer coisas realistas. Umha tartaruga que afirma-se que nom pode voar estaria a ser tam honesta como coerente. Coerência é reconhecer as próprias contradiçons, e tamém os próprios límites. O coerente é assumir que a vida mesma, a que nos rodeia, impide-nos se queremos conserva-la, fazer tudo o que nos gostaria. A coerência é tentar mudar isso, pero admitindo as suas dificultades e tamém os fracasos persoais e coletivos. Coerência nom é deixar de respirar para nom incumprir nem umha vírgula dum dogma; coerência é manter-se vivas para poder aspirar a mudar o que nom nos gosta. Reconhecer que é impossível ser perfeitas, que é impossível voar, como reconhece a tartaruga, é coerente. A coerência é conflito e procura, nom perfeiçom e esnobismo.

Doutra banda, podemos aparentar toda a coerência que quiger no continente, pero a coerência implica contido. Ser anarquista converteu-se numha questom de forma mais que de fundo, de respeitar códigos culturais superficiais omitindo o que se fai na prática e quando remata a assembleia. Nesse aspeito, conhecim mais anarquismo fora dos círculos anarquistas que dentro. Podemos esforçar-nos muito, por exemplo, em usar umha linguagem nom sexista, como eu neste artigo, e formalmente aparentar oposiçom ao heteropatriarcado. Conhecim homes moi rigorosos coa linguagem, escrupulosos no seu discurso, que afirmavam lêr cada livro sobre feminismo que chegou ás suas mans e estar ao tanto do “último”. Tios que assistem a obradoiros ou que mesmo, sem rubor algum, impártem-nos. Autotitulados “aliados” que, quando o foco apága-se, no trato coas suas companheiras, eram verticais, despóticos e tiránicos, e tamém clasistas e autoritários quando interatuavam coas mulheres do báirro ás que miravam por riba do ombreiro. Sujeitos formalmente contrários á opresom de género que sentiam a mais viva aversom por “chonis” e gitanas, e que faziam de qualquer mulher que se lhes achegara um cliché a cousificar. E conhecim tamém mulheres que reprendiam ás suas companheiras se nom se submetiam a estes “machos alfa” e escuitávam-nos atentas falar de Beauvoir, Prezado, os micromachismos ou a oposiçom ao amor romántico.

Doutra banda conhecim homes que nom conhecem o nome de nenhumha autora feminista, que afirmam nom poder-se acabar nunca um livro enteiro, que nom usam linguagem nom sexista, que nom conhecem nenhum termo sofisticado sobre a decostruçom dos roles de género e que nom sabem o que sinifica heteropatriarcado só com ouvilo. E com tudo, esses mesmos homes, sem formaçom académica nenhumha, nom tratam aos seus iguais como inferiores ou subalternas; nom ilham ás suas companheiras das conversas, nem as apartam das tomas de decisons; nom crem que devam ilumina-las ou guía-las; escúitam-nas atentamente nas assembleias e reconhécem-nas como referentes quando o seu trabalho e o seu exemplo sérve-lhes de inspiraçom. Nom poderám elaborar um sisudo discurso sobre a opresom de géneros, pero jamais aproveitarám a coartada dum suposto “espaço seguro” para agredir a umha companheira. As vizinhas, as minhas companheiras mais próximas, prefirem militar cos segundos.

O devandito póde-se aplicar a todas as manifestaçons anarquistas. Centramos todo o peso no discurso, pero o verdadeiramente importante é o que fazemos. Som os nossos atos os que tenhem que falar por nós e definir o que somos. Nom existe coerência possível se nom temos umha atividade real que se poida confortar coas nossas ideias. Ser anarquista, entendido como um processo meramente filosófico, teórico, como a adquisiçom dum status intelectual que nos separe da plebe, é algo que me da nojo e nom me interesa em absoluto. Considerar-se anarquista coa ideia de distinguir-se do resto e poder botar-lhes umha mirada de despreço desde umha pretendida superioridade moral, é simples e espida aristocrácia. De ai venhem os sermons e a atafegante insistência de converter aos infieis. É a evangelizaçom ácrata.

O meu anarquismo é umha outra cousa. O meu anarquismo nom serve para separar-me das demais senom para achegar-me a elas. Serve para entender as contradiçons alheias e ver quanto de-las há em mim. Serve para afazer-me a nom exiger-lhe nada ás demais por riba do que me exigo a mim mesmo. Eu nom quero que ser anarquista seja umha cousa difícil e tortuosa, senom algo fácil, alcançável, a mão de tudo o mundo. Eu refuto a Armand quando dizia que “o anarquismo nom é para os ineptos ao esforço”. Négo-me a isso. Eu nom quero um anarquismo para atletas intelectuais, para campioas do pensamento abstracto e übermensch saidos dalgum documental de Riefenstahl. Eu quero um anarquismo que precisamente poida ser património de quem até agora foram marginadas dos cumes de cerebros, os comités de sábios, as aulas e as academias. Quero que quem somos tachadas de tulhidas, físicas ou mentais, podamos fazer nosso o anarquismo e cuspi-lo á cara de quem o relegam a universidades, salons, coletivos de convencidas e grupos de estudo. Quero que esse anarquismo cotiá, que se tece em muitas das nossas relaçons, nas nossas assembleias de vizinhas, nas nossas potas comuns, nas nossas hortas, nos nossos piquetes, nos nossos enfrontamentos no bairro, acabe aceitando-se como umha forma rápida e eficiente de converter-se em anarquista sem necessidade de dar-se esse nome, de assumir nenhum folclore, nem de compartir nenhum fetichismo cara a bandeiras, símbolos e siglas.

Quero que ser anarquista seja algo próximo, acessível e alcançável, que as anarquistas sejam definidas pola sua atividade e nom só polas ideias que dim defender. Quero que esse anarquismo intuitivo, sem nome e sem selo, poida ser reconhecido como umha manifestaçom anarquista de primeira orde. Que se entenda que umha teoria anarquista alheia á prática e á realidade é como umha peça refinada de cristal, pura e sem mácula, brilhante, pero tremendamente frágil e quebradiça. Mentres que o anarquismo de bairro, de rua, baseado na experimentaçom e a prática, o anarquismo que eu defendo, é mais bem como umha roca sem tratar, com terra e cheia de golpes, pero tremendamente sólida e puída polo uso. Quero em definitiva que o anarquismo deixe de estar enmarcado nos despachos das professoras, que o saquemos das vitrinas e compartámo-lo coa gente, que seja como um papel pequeninho que a gente poida levar consigo tudo o día no peto, cheio de pregues de todas as vezes que o dobram e desdobram, sujo e desgastado de tanto uso.

E se isto nunca chega a ser aceitado polas anarquistas oficiais? Pois moi bem. Outro anarquismo, sem complejos nem pruritos intelectuais, a golpe de lastra e de curro na rua, acabará tomando posiçons e adiantándo-lhes pola sua esquerda. Os câmbios profundos nom agardam o consenso.

Ruymán Rodríguez

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(*) Nota do gajeiro: As negrinhas som minhas e destaco aquelas reflexons coas que concordo case ao 100%

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